Não conhecia o poema de Pessoa mas posso agora dizer que estas minhas nuvens não me dão sono. Na senda das associações melhor será convocar a aguarela de Dürer, em que várias manchas cinzentas recordam-lhe um sonho agitado de chuvas torrenciais provenientes de poderosas nuvens. Refere Dürer que caiam dos altos céus com grande intensidade e ruído. No meu caso a líquida aguarela escorre no largo pincel japonês para intensamente marcar um papel de formato horizontal, quase panorâmico. Exprime uma outra intensidade só eventualmente comparável com o cair da chuva, pois a tinta cai igualmente sobre o papel. Experimentei diferentes cores mas foi a sucessão de movimentos de tipo curvo ou circular que prevaleceram nos meus gestos. É a intensidade destes pequenos gestos, destes rápidos mas controlados movimentos que transmitem representações imaginárias que associamos a nuvens. E estas são lentas porque prendem o olhar nos seus ínfimos pormenores. Neste conjunto de 28 trabalhos, incluem-se alguns desenhos de estruturas, linhas que se entrecruzam revelando sebes, grades, divisórias, espaços confinados. Completam os desenhos das nuvens finalizando a parcial paisagem que estas antecipam e por outro lado revelam o que se passa no que lhes está por baixo, a terra, o solo que pisamos. São os espaços esquecidos que no quase cego exercício de dialogar com o que nos rodeia tentamos recordar a todo custo.