Acrylic on aluminum panels, altarpiece
Nª. Srª. das Neves chapel / Ílhavo municipal library
2005
A proposta do Arqº. Nuno Mateus para realizar um conjunto de pinturas para a capela da Nª. Srª. das Neves em Ílhavo (capela que se integra na nova Biblioteca Municipal de Ílhavo) recebeu da minha parte o maior entusiasmo pois o desafio era difícil: como realizar uma obra, mantendo características do meu tipo de trabalho e ao mesmo tempo integrar-se eficazmente no espaço, não só arquitectónico como religioso.
Tendo a capela sido muito afectada ao longo dos últimos tempos – a talha do altar desapareceu completamente e os azulejos na sua maioria também, apresentando-se por outro lado grande deterioração nas lajes tumulares e em muitos outros pormenores da arquitectura – surgiu, por primeira sugestão de Nuno Mateus, a zona do altar como local privilegiado para a minha intervenção.
Desenhei então dois conjuntos de painéis em alumínio que se destinaram às duas paredes da parte interior do altar. Decidi tipificar a minha intervenção no espaço “para lá” do altar, no espaço que se prolonga em abóbada cilíndrica. A minha pintura revela-se na modulação das superfícies laterais desse espaço interior, através da concepção de estruturas especiais em alumínio, com diferentes profundidades, sendo algumas em esquina, colocando assim pinturas que da parede que anteriormente recebera a talha do altar, se dobram penetrando em profundidade no espaço interior referido. Um elemento senti que faltava pois se me revelou crucial a ligação do meu trabalho com o espaço de vivência religiosa. Criei assim mais um painel que se isola colocando-se em posição frontal ao fundo desta zona da capela, em abóbada cilíndrica.
Iniciei a pintura dos referidos conjuntos de painéis em alumínio de uma forma abstracta tentando relacionar o jogo de manchas e cores com os sentimentos que o espaço me evocava.
O painel isolado tomou o tema da Coroa de Espinhos, símbolo máximo do sofrimento de Jesus crucificado.
A pintura desenvolveu-se então de uma forma natural evocando através das largas manchas de cores esse martírio, estabelecendo como que uma “via dolorosa” revelada nas diferentes sugestões de espaços e paisagens em que a colocação das linhas sulcadas, das manchas fortes em cor e os seus contrastes intentam suscitar esse penoso percurso.
O ambiente agitado destas pinturas acalma-se progressivamente até aos painéis frontais onde espaços mais neutros e tranquilos apelam ao olhar com a finalidade de o conduzir até ao ponto fulcral, ao fundo, na coroa de espinhos.
A ruptura visual que a minha pintura possa provocar nesta capela setecentista, mantendo completamente a sintonia com o espaço intimista de reflexão e de oração que o espaço religioso proporciona, explicitará a tensão resultante do imperativo olhar que hoje confronta e dialoga com o passado, desenvolvendo elementos fundadores para a nossa vivência no mundo presente e futuro.
Pedro Calapez,
Agosto de 2005