[PT]
Descontinuidades
“Contempla-se um quadro e é como se estivéssemos olhos nos olhos com alguém”. – Arikha, “Peinture et regard”
O corte de uma superfície implica a obtenção de dois lados, que partem dos bordos resultantes.
O encaixe perfeito é agora mediado por um espaço, um intervalo. O que uma superfície contém não continua na superfície adjacente mas o arrastar do olhar tenta, apesar do salto que irá sofrer, combinar essa descontinuidade pela associação dum pensamento, duma forma, duma cor. Por vezes esse segundo bordo é deformado no processo.
O não encaixe torna mais complexo o funcionamento do olhar pois a “distância” do que se encontra dum lado e do outro é agora maior. Outros acidentes ajudam a tornar produtivos o registo do que se não continua. Tenta-se compreender o fluir da pintura. Mas por vezes a superfície não chega a ser cortada, encontra-se apenas deformada, ondulada. A descontinuidade surge nessa variação de profundidades ou na sinuosidade de um contorno que suavemente ou abruptamente impõe um novo registo ao olhar.
As minhas recentes pinturas dialogam estes aspectos. Intentam questionar o olhar para além do conteúdo das imagens. Os títulos referem objectos, dispositivos de ostentação ou ornamentação, sistemas descritivos, topografias.
O pintado evoca fluidez ou interrupção, conjunção ou sobreposição, opacidade e transparência, manualidade e mecanismo. Os suportes sugerem separação ou união, planura ou profundidade.
O olhar saberá o que fazer.
Pedro Calapez, Fevereiro, 2010
[SPA]
Discontinuidades
“Se contempla un cuadro e es cómo si estuviéramos ojo a ojo con alguien”. – Arikha, “Peinture et regard”
El corte de una superficie implica la obtención de dos lados, que parten de los bordes resultantes. El encaje perfecto es ahora mediado por un espacio, un intervalo. Lo que una superficie contiene no sigue en la superficie adyacente pero el arrastrar de la mirada intenta, a pesar del salto que irá sufrir, combinar esa discontinuidad por la asociación de un pensamiento, de una forma, de un color. A veces ese segundo borde es deformado en el proceso. El no encaje hace más complejo el funcionamiento de la mirada pues la “distancia” del que se encuentra de un lado o a otro es ahora mayor. Otros accidentes ayudan a hacer productivo el registro del que no se continúa. Se intenta comprender el fluir de la pintura. Pero a veces la superficie no llega a ser cortada, se encuentra apenas deformada, ondulada. La discontinuidad surge en esa variación de profundidades o en la sinuosidad de un contorno que suavemente o abruptamente impone un nuevo registro a la mirada.
Mis recientes pinturas dialogan estos aspectos. Intentan cuestionar la mirada más allá del contenido de las imágenes. Los títulos refieren objetos, dispositivos de ostentación u ornamentación, sistemas descriptivos, topografías.
Lo pintado evoca fluidez o interrupción, conjunción o superposición, opacidad y transparencia, manualidad y mecanismo. Los soportes sugieren separación o unión, llanura o profundidad.
La mirada sabrá que hacer.
Pedro Calapez, Lisboa, Febrero 2010